O papa Bento 16 presidiu nesta Sexta-Feira Santa no Coliseu de Roma a tradicional Via Sacra, que relembra o calvário de Cristo até sua crucificação, evento que este ano foi ofuscado pelos escândalos envolvendo padres pedófilos e pela acusação de um membro da Igreja de que as denúncias relembram aspectos do antissemitismo.
Antes da Via Crucis no Coliseu, em rito religioso celebrado na presença do papa no Vaticano, o pregador-chefe da Casa Pontifícia, padre Raniero Cantalamessa, disse que a Igreja Católica e o sumo pontífice eram vitimas de um “ataque violento que recorda o antissemitismo” por causa das alegações de abusos sexuais cometidos por sacerdores.
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Papa recebe ajuda de seu secretário pessoal, Georg Gaenswein, no Coliseu |
Membro da ordem dos Frades Menores Capuchinhos, Cantalamessa é uma figura influente no Vaticano, sendo o único autorizado a pregar para o papa. A Casa Pontifícia é o nome dado ao grupo de pessoas que convive com o papa na Santa Sé.
Na homilia, Cantalamessa leu a carta de um amigo judeu, que escreveu para manifestar solidariedade ao papa por causa das alegações de abusos.
“Está sendo realizado um ataque violento contra a Igreja, contra o papa e todos os fiéis no mundo todo. A passagem das responsabilidades pessoais e da culpa pessoal para a coletiva recorda os aspectos mais vergonhosos do antissemitismo”, disse o religioso, logo após pedir permissão ao papa para ler a carta.
“Por uma rara coincidência, este ano nossa Páscoa cai na mesma semana da Páscoa hebraica, que é a matriz dentro da qual ela se formou. Isso nos leva a pensar nos irmãos judeus que sabem, por experiência, o que significa ser vítima da violência coletiva e que, por isso, sabem reconhecer os sintomas.”
Via Sacra
Em meio à polêmica, Bento 16 presidiu nesta Sexta-Feira Santa no Coliseu de Roma a Via Sacra, dizendo que a única força capaz de mudar o mundo é o amor. Além disso, afirmou que o homem tem necessidade de Deus, embora não tenha a humildade de reconhecer isso.
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Raniero Cantalamessa |
E, assim como no discurso que fez na quinta-feira, durante a cerimônia da crisma na Basílica de São Pedro, quando os sacerdotes são convidados a renovar os votos que fizeram quando foram ordenados padres, o pontífice não fez menção ao problema dos abusos.
A celebração, de três horas de duração, teve início às 21h15 locais (16h15, horário de Brasília). Como em celebrações anteriores, Bento 16 presidiu a Via Sacra de joelhos da colina do Palatino, em frente ao Coliseu.
Desde 2008, o papa, que completará 83 anos em 16 de abril, não faz a pé o percurso das 14 estações que lembram o suplício e a morte de Cristo e se limita a carregar a cruz de madeira no trecho final. A cerimônia é tradicionalmente acompanhada por centenas de italianos, que levam pequenas tochas nas mãos.
A Via Sacra começou no interior do Coliseu e continuou pela frente do Arco de Trajano, sendo concluída na colina do Palatino. O cardeal Vallini levou a Cruz na primeira estação e depois o símbolo dos cristãos foi levado por Joseph Venel e André Delavarra, do Haiti.
Um doente, uma família romana, dois iraquianos, uma congolesa, um vietnamita e dois frades da Custódia da Terra Santa levaram a cruz nas outras estações. Na última estação, a décimo quarta, o cardeal vigário de Roma, Agostino Vallini, entregou a cruz a Bento 16.
A Via Sacra do Coliseu começou em 1741 por ordem do papa. Após dezenas de anos de esquecimento, em 1925 voltou a ser celebrada e, em 1964, o papa Paulo 6 acudiu ao anfiteatro para presidi-la. Desde então, todos os anos o sucessor de Pedro vai ao anfiteatro.
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Multidão em frente ao Coliseu para celebração da Via Sacra |
Denúncias contra o papa
Na semana passada, o jornal americano The New York Times publicou duas denúncias contra o papa Bento 16. Na primeira delas, afirmou que o papa, quando era o cardeal Joseph Ratzinger, ignorou denúncias de pedofilia feitas em relação a um padre americano nos anos 90. Segundo o jornal, o padre americano era suspeito de ter abusado sexualmente de 200 crianças surdas.
Na outra denúncia, o jornal disse que Ratzinger não fez nada para impedir que um padre acusado de pedofilia retomasse o sacerdócio em outra paróquia na Alemanha em 1980.
Crítica à imprensa
O Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) acusou nesta sexta-feira alguns meios de comunicação internacionais de divulgar “reconstruções falsas” e “caluniosas” sobre a atitude do papa frente aos casos de abusos sexuais, informou a entidade em um comunicado assinado pelo arcebispo brasileiro Raymundo Damasceno Assis.
O papa sempre mostrou grande coragem” para enfrentar esses problemas e uma “reconstrução falsa e caluniosa nos quer fazer crer que o atual papa escondeu em sua época os casos de abusos sexuais ou que estava em sintonia com os autores”, sustentou a nota, publicada em italiano pelo jornal do Vaticano L’Osservatore Romano.
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Fiéis participam de cerimônia no Coliseu |
Mea culpa
Nesta sexta-feira, os bispos alemães fizeram um “mea culpa” pelos casos de pedofilia em instituições católicas e pediram o endurecimento das leis contra esse delito. O presidente da conferência dos bispos alemães, Robert Zollitsch, admitiu que pouca ajuda foi dada às vítimas.
A Igreja Católica “reconheceu os erros do passado” e “promete no futuro concentrar-se mais na ajuda às vítimas em vez de preocupar-se tanto com sua reputação”, afirma Zollitsch em comunicado divulgado por ocasião da Sexta-Feira Santa por sua arquidiocese, em Freiburg, no sul do país.
*Com informações da AFP, EFE e BBC / Ultimo Segundo